Breve biografia da prevenção do câncer da próstata

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INTRODUÇÃO

Neste mês que simboliza a conscientização para a prevenção do câncer da próstata, apresento este artigo onde relembro a importância do PSA e do toque retal para o diagnóstico precoce desta doença que afeta 1 em cada homens. Através de um breve histórico, mostro de que maneira as campanhas de prevenção iniciadas na década de 90 após a descoberta de um exame de alta confiabilidade, chamado PSA, mudaram para sempre os rumos do câncer de próstata.

Para escrever este artigo, utilizei-me da minha própria experiência de quase 20 anos consecutivos atuando como urologista e mais 3 livros da minha biblioteca, escritos por expoentes urologistas americanos atuantes em 2 diferentes centros de referência em câncer de próstata nos EUA: o Johns Hopkins University of Medicine e o Sloan Kettering Cancer Center.

 Como era antes de surgir o exame de PSA (antigeno prostático específico)

Até o final da década de 80, ninguém falava de prevenção anual para o câncer da próstata. Se o homem era idoso e estava com problemas parar urinar ou dores na região da bexiga ou na bacia, ele procurava um urologista que então fazia um toque retal e uma biópsia dependendo do que o seu dedo já bem treinado encontrava.

Sendo assim, naquela época, o único recurso para detectar um câncer de próstata era o toque retal. Por anos, era tudo o que nós urologistas tínhamos à disposição. Desta forma, o toque poderia descobrir alguns cânceres antes deles avançarem, porém, mais da metade já estava numa fase incurável. Um em cada 3 pacientes morriam em até dez anos depois do diagnóstico.

Essa história começou a mudar depois do PSA (exame de sangue).

O PSA é uma proteína produzida pela próstata e foi primeiro detectado no esperma na década de 60 *. Não conseguiram fazer sua medida no sangue até o ano de 1979, quando deram início às pesquisas. O “S” do PSA significa Specific, mas já se sabe que glândulas salivares também produzem uma quantidade mínima de PSA.

*Curiosidade: a primeira utilidade após a descoberta do PSA no esperma foi, e ainda é até hoje, o exame do swab vaginal no IML diante das suspeitas de estupro. A detecção do PSA nas secreções vaginais confirma a presença de sêmen.

Baseado em pesquisas clínicas realizadas entre 1987 e 1991, foi descoberto que o PSA:

  1. Aumentava em pacientes com HPB e com câncer da próstata;
  2. Aumentava muito mais em pacientes com câncer da próstata avançado do que numa fase precoce;
  3. Era útil para monitorar o sucesso do tratamento do câncer da próstata.

O PSA começou a ser utilizado, e em 1994, foi aprovado nos EUA como exame para detecção precoce do câncer de próstata.

A descoberta do PSA e dos avanços que ele traria para a detecção e controle do câncer da próstata causou grande excitação na comunidade médica, pois abriu a possibilidade para exames semelhantes serem descobertos para outros tipos de câncer, como o de mama, ovário, pulmão etc…infelizmente, um exame com tamanha confiabilidade e especificidade até hoje não fora descoberto para tumores em outros órgãos. Resumindo, a concentração de PSA é muito maior no sêmen do que no sangue, e sua descoberta no sêmen foi fundamental para depois tentar fazer sua detecção também na corrente sanguínea para finalmente estabelecer as conexões entre seus valores e as doenças da próstata.

PSA – para que serve dentro do organismo masculino? Como uma proteína humana, a função do PSA é reduzir a viscosidade do esperma. O jato de esperma sai concentrado em uma espécie de coágulo com todos os espermatozóides agrupados. Após a ejaculação, é função do PSA é tornar o sêmen o mais líquido possível para que os espermatozóides nadem com mais facilidade para fazerem o seu trabalho.

Pois bem, o PSA foi descoberto, seu aumento estava associado a doenças da próstata, mas muitas questões vieram junto:

  1. A partir de que nível de PSA seria considerado anormal?
  2. A partir de que nível uma biópsia deveria ser pedida pelo urologista?
  3. A partir de que idade o PSA deveria ser feito?
  4. Com que frequência os homens deveriam repetir o exame?
  5. Deveria fazer o resto da vida?
  6. O toque retal seria abandonado?

Depois de muitas pesquisas, chegou-se à idade de 45 ou 50 anos para iniciar os testes, que deveriam ser realizados anualmente juntamente com o toque retal, o qual serviria como complemento. O ponto de corte foi determinado em 4,0ng/ml, valor que foi posteriormente ajustado para a faixa etária, já que a fragilidade prostática causada pelo envelhecimento levaria a um “vazamento” de PSA da próstata para a corrente sanguínea. Muitas dessas respostas continuam mais ou menos inalteradas, embora a medicina não seja uma ciência exata, de forma que cada caso é um caso.

Qualquer valor abaixo dos 4ng/ml era considerado um valor normal. Porém, um câncer pode estar presente até mesmo em valores abaixo desse patamar (vide figura ao final deste parágrafo). Deve-se considerar o contexto clínico de cada paciente. Homens de 45 anos de idade, com história de câncer de próstata na família e PSA de 3,5ng/ml deve ser considerado suspeito, enquanto outro paciente de 75 anos de idade, com hiperplasia prostática benigna e PSA de 5,5ng/ml não desperta nenhum sinal de alarme.

A figura acima mostra a possibilidade de encontrar um câncer na próstata de acordo com a idade e de acordo com a normalidade ou anormalidade do toque retal (DRE). Veja que mesmo com PSA baixo ainda é possível o paciente ser portador de células malignas na sua próstata. Somente a prevenção anual e o acompanhamento da evolução do PSA serão capazes de suspeitar do câncer para detectá-lo numa fase inicial. 

Isso porque os valores de PSA considerados normais foram reajustados pelas pesquisas e hoje sabe-se que variam de acordo com a idade e de acordo com o tamanho da próstata. Próstatas muito grandes (Hiperplasia prostática benigna) e as próstatas inflamadas ou infectadas também aumentam o PSA no sangue. O urologista deve ter bom senso e experiência para não solicitar biópsia de forma indiscriminada para todo aumento de PSA e sem considerar o contexto clínico, a idade do paciente e o volume da próstata medido pela ultrassonografia. Na verdade, a grande maioria das doenças da próstata que aumentam o PSA são as hiperplasias benignas. Portanto, aumento do PSA só indica que algo na próstata está alterado, podendo ser uma condição benigna ou maligna. De uma forma geral, em 70% dos casos, o aumento se deve a condições benignas.

Veja o caso abaixo como exemplo, paciente com próstata bastante volumosa (123g) e PSA de 11ng/ml, o qual estaria compatível com o tamanho da próstata (a chamada densidade do PSA onde considera-se aceitável um valor de PSA de até 10% do peso da próstata medido na ultrassonografia). Paciente foi submetido a cirurgia e o estudo histológico da próstata removida (100g) revelou que de fato se tratava de uma Hiperplasia Benigna sem indícios de câncer. 

Para citar outro exemplo, certo dia atendi um paciente que me visita anualmente para fazer sua prevenção. Tinha 70 anos de idade e o PSA total sempre em torno de 3ng/ml. Na ocasião, estava com sintomas de febre e dores para urinar; suspeitando de uma prostatite, prescrevi as medicações e solicitei a dosagem do PSA que deu 45ng/ml, deixando o paciente bastante assustado. No entanto, com mais duas dosagens subsequentes, o PSA caiu par 9 e depois normalizou nos 3ng/ml.

Veja então que o PSA isoladamente NÃO diz que o paciente tem câncer de próstata, embora valores muito altos elevem demais essa suspeita, se o contexto não levar a uma Hiperplasia e nem a uma Prostatite. Sendo assim, no caso de PSA elevado sem essas duas últimas hipóteses, uma biósia transretal deve ser solicitada para confirmar ou descartar um câncer.  Como vimos então, o que conta não é uma dosagem isolada do PSA, mas sim o cenário como um todo. O médico deve analisar a floresta toda e não somente uma árvore isolada.

Sem dúvida que a descoberta do PSA deu início a uma corrida em busca da detecção cada vez mais precoce do câncer da próstata. O médico deve ter muito bom senso e experiência para não fazer mal uso desse PSA, solicitando biópsias de maneira indiscriminada para qualquer aumento de PSA.

Quando começar a fazer o PSA?

A idade para começar a fazer o exame de PSA anualmente varia de acordo com os estudos, mas em geral o consenso é iniciar entre 40 e 50 anos de idade.

Quanto mais jovem e saudável for o homem, mais ele será beneficiado diante de um diagnóstico de câncer de próstata. A explicação se dá pela expectativa de vida longa esperada para este homem. Ou seja, o câncer teria muito tempo pela frente para crescer, sair dos limites da próstata, se tornar incurável e encurtar sua vida.

Indo para o outro extremo, homens com mais de 75 anos portadores de outras doenças tipo diabetes ou doença cardiovascular e que vinham com o PSA baixo, alguns trabalhos chegam a aconselhar deixar de fazer o PSA porque dificilmente um câncer de próstata inicial descoberto jamais cresceria a ponto de ameaçar a vida destes pacientes. Ou seja, tais pacientes morreriam com o câncer, mas não por causa dele.

Em resumo, eu sempre recomendo iniciar o PSA o mais cedo possível porque um dado importante para o urologista é a evolução deste PSA no decorrer dos anos. Um PSA que vem sempre aumentando no decorrer dos anos é um sinal para ficar mais atento, quando comparado a outro homem que vem com o PSA estabilizado sem grandes alterações. Ou então um aumento muito desproporcional de um ano para outro pode indicar erro de laboratório ou uma prostatite, por exemplo.

Na dúvida se determinado PSA está ou não compatível com o paciente, ainda restam outros dados a analisar, como a densidade do PSA (relação entre o tamanho da próstata e o valor do PSA), a velocidade de aumento do PSA no decorrer de um ano, a relação PSA livre sobre o PSA total, dentre outras variáveis, que podem ajudar o urologista a seguir por um caminho ou por outro ou simplesmente dizer que “tá tudo bem e até o próximo ano!”.

A figura acima é a média do PSA de acordo com a idade, estudo realizado em mais de 10 mil homens sem câncer de próstata; serve para o homem ter uma noção se seu PSA está dentro da média da maioria para a sua faixa etária

Cuidados antes de coletar o PSA

O toque retal pode aumentar o PSA, bem como andar de bicicleta e as ejaculações. Sendo assim, é importante que o homem evite essas atividades pelo menos 48 horas antes da coleta do sangue.

E o toque retal?

As principais instituições americanas ligadas diretamente ao câncer de próstata ainda recomendam o toque retal na prevenção anual. São elas a American Cancer Society, a American Urological Asssociation (AUA) e o National Comprehensive Cancer Network (NCCN), esta última um aglomerado dos 21 centros de câncer mais importantes dos EUA e responsáveis pela elaboração de guias de prevenção para todos os tipos de câncer.

Encontrar uma alteração na próstata pelo toque retal não é uma tarefa tão simples e exige que o médico tenha muita experiência. Por isso, apesar de vermos alguns clínicos gerais ou proctologistas fazendo o toque prostático, acredito que o melhor médico para fazer esse trabalho com segurança e eficiência é o urologista. O toque ainda permite o diagnóstico de tumores na ampola retal ou no ânus; não é muito frequente, e nesses 20 anos de prática urológica eu lembro de ao menos uns 10 casos suspeitos e encaminhados para o coloproctologista. 

Quando associado com o PSA, o toque retal aumenta as chances de diagnóstico do câncer de próstata, ou por vezes salva o paciente de fazer uma biópsia desnecessária. Avaliando a textura e o volume da próstata, o urologista pode suspeitar de uma prostatite (inflamação/infecção da próstata) ou de uma HPB, os quais, assim como o câncer, também elevam o PSA. Diante dessas suspeitas, um tratamento específico pode normalizar o PSA e livrar o homem da biópsia. Como o próprio toque retal pode levar a um aumento do PSA, eu recomendo fazer o PSA antes do toque para evitar resultados falsos que façam o paciente repetir o exame pouco tempo depois.

Ao fazer os dois exames (PSA + TOQUE) regularmente uma vez por ano, se um dia surgir um câncer na próstata, é muito provável que ele seja descoberto pelos exames em um estágio inicial, no qual existem altas chances de cura.

Veja abaixo um exemplo de combinação perfeita: Homem de 57 anos com uma próstata baixo volume (<30g) e PSA total menor que 1,0ng/ml

Resumo do artigo:

  • Embora o PSA não seja específico para o câncer da próstata, é o melhor exame para prever se tem câncer na próstata ou mesmo prever o risco de ter câncer de próstata no futuro
  • PSA realizado anualmente entre as idades de 40 e 69 anos de idade pode reduzir a taxa de mortalidade pelo câncer da próstata
  • Homens com menos de 70 anos e saudáveis são os que mais pode se beneficiar com a prevenção anual, enquanto aqueles com mais de 70 anos e não saudáveis não são tão beneficiados assim em razão de tratamentos desnecessários que afetam a qualidade de vida por causa de um câncer que dificilmente os matariam
  • Não existe um valor de PSA que exclui totalmente a presença de um câncer na próstata; o PSA serve avaliar o risco de cada homem através de uma monitorização mais ou menos alarmante

 

 

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